top of page

Aceitar os Pais

Atualizado: 12 de ago. de 2022



É muito importante curar o vínculo com os pais, porque essa é a melhor maneira de curar o vínculo com a vida e conosco. Para o filho, os pais representam simbolicamente a vida. Quando estamos em paz com eles, estamos em paz com a vida; quando os aceitamos, podemos aceitar a vida em todas as suas dimensões.


No fundo, sabemos que estamos em paz quando honramos nossos pais, quando podemos dar espaço a todas as pessoas do nosso sistema e também quando podemos amar o que somos, tal como somos. Isso inclui também honrar nossas feridas e o que foi difícil, doloroso. Não se trata como eu dizia, de um processo intelectual, e sim físico e emocional quando sentimos a necessidade de por em movimento certos sentimentos, de liberá-los, torna-los leves e apaziguá-los. O importante aqui é que se trata de um processo que nos ajuda a nos aproximarmos do relacionamento afetivo, porque o relacionamento é também a vida. Por isso, na hora de nos voltarmos para o relacionamento, nos ajudará termos aceitado nossos pais, estarmos em sintonia com nossos antepassados, termos dito sim ao que passou e, desse modo termos liberado nossos tortuosos estilos afetivos. Então plenos de nossos pais, estaremos satisfeitos com a vida.



Todos carregamos feridas e dores provocadas por nossos pais. Por isso, é um desafio aceitá-los em sua totalidade. Porque isso significa também, aceitar as feridas e a dor. Alguns filhos dizem “aceito também essas feridas e essas dores para a minha vida”. E assim, acabam aceitando os pais junto com as feridas e os momentos difíceis. Outros dizem, “Como fui ferido, justifico meu sofrimento e reclamo”. E, sem perceber terminam por reclamar com a pessoa errada: o (a) companheiro (a). Temos de aceitar que todos fomos feridos em algum momento, que qualquer relação de intimidade fere vez ou outro, e que isso não significa repudiar nossos pais e o que vivemos com eles.


Faz tempo que falo em meus workshops uma história que fala desse tema: a história das moedas. Eu a contei também em um livro intitulado Onde estão minhas moedas – As chaves do vinculo entre pais e filhos. Diz a história que, em uma noite um filho (ou uma filha, tanto faz) recebeu em seus sonhos algumas moedas dos seus pais. O filho ficou muito contente e ao acordar foi a casa de seus pais, e agradeceu as moedas que lhe haviam dado. Não quis saber se eram muitas ou poucas, se eram de um papel precioso ou vil, simplesmente as aceitou e agradeceu. Nessa noite outra pessoa teve o mesmo sonho, (todo mundo tem esse sonho em algum momento da vida), mas ela se sentiu mal quando recebeu as moedas, ficou irritada e com raiva. No dia seguinte foi a casa dos seus pais e lhes disse: As moedas que me deram ontem a noite em sonhos, não são as que mereço, não são aquelas de que eu necessito, não são as justas nem as adequadas para mim, de maneira de que não as aceito, mesmo que venham de vocês.



Então, a pessoa sentiu uma força estranha, a força que vem da oposição a vida, do ressentimento, do papel de vitima, do desejo de vingança, do orgulho, da vaidade, da comparação constante com os outros, do anseio do poder etc. Porque quem não aceita as moedas se sustenta nessa falsa força, ao passo que quem aceita se sustenta na realidade, que no fundo, é a única coisa que pode nos sustentar. A pessoa que não aceitou as moedas olhava para as mulheres (ou homens) e pensava: “Será que essa mulher (ou esse homem) tem moedas que eu não aceitei de meus pais porque não as deram de maneira justa e adequada?”. E começou a procurar as moedas no companheiro (a), mas ele (a) não podia lhe dar oque cabia aos pais. Mais tarde, procurou as moedas nos filhos, mas eles também não as tinham. Procurou-as também sem sucesso, no poder, na riqueza, mas não as encontrou em lugar nenhum. Então ao fazer terapia, pois estava muito mal, o terapeuta lhe disse: Eu também não tenho moedas.



Mas começaram a trabalhar juntos mesmo assim, e esse trabalho fez a pessoa perceber que deveria aceitar as feridas e a dor, e renunciar a ideia de que seus pais deveriam ter sido, ou agido de forma diferente. Tinha que amar a realidade tal como foi e renunciar a ideia do que deveria ter sido. E assim por fim, ela aceitou as moedas, que representavam tudo que havia vivido com seus pais, o belo, o feio, o alegre e o triste, o doce e o violento.


Quem consegue aceitar as moedas de seus pais, esta em sintonia com a vida. O mandamento bíblico “ Honrarás teu pai e tua mãe” diz a seguir “para que se prolonguem os teus dias na Terra”. E isso é muito importante, porque em tudo o que fazemos há sempre uma pergunta implícita: vida ou morte? Qualquer movimento se dirige a vida ou à morte. E honrar os pais significa honrar a vida.


Os pais se sentem honrados pelos filhos quando estes aproveitam a vida, quando fazem algo bom com ela. Então sentem que valeu a pena, sentem-se orgulhosos e descansam contentes. Existem pais que não desejam que seus filhos sejam felizes? Existem pais que não desejam que seu filhos abracem a vida com todas as suas consequências? Os filhos podem se sintonizar com esse desejo, mas muitas vezes preferem se sintonizar e se envolver com os problemas de seus pais, e se sentir suas vítimas ou seus salvadores. E assim têm mais vida ou menos vida? Menos. E os pais, de quebra são menos felizes.


Como pais, é muito bonito quando um dia nossos filhos chegam e dizem, de uma forma ou outra:

Aquelas moedas que vocês me deram foram necessárias e justas. E com elas percorro o caminho da vida. Por isso eu lhes agradeço. E em tudo de bom agradeço. E em tudo de bom que vivo em minha vida também tenho seus presentes.


Diante de algo assim, os pais sentem que valeu a pena. Mesmo quando os pais carregam culpas muito graves, quando fizeram algo a seus filhos, quando foram violentos ou puseram em perigo a vida deles, ou abusaram deles sexualmente, ou os abandonaram de uma forma ou outra, o filho pode se desenvolver bem se aceitar a realidade como foi. Ou seja, também as pessoas que sofreram grandes feridas podem se desenvolver bem. Mas é necessário um movimento interno. E o movimento interno é: “Aceito essas moedas, pois é permitido que vocês assumam a culpa e as consequências dos atos terríveis que cometeram, pois eu sou inocente”. Ocorre algo muito estranho quando aceitamos plenamente os pais: no momento em que eles entram em nós, aquilo que parecia tão ameaçador desaparece. Porque quando abrimos o coração, fica de fora aquilo que pode nos machucar, e quando fechamos o coração, ficamos unidos aquilo para o qual nos fechamos. É um principio existencial, aquilo que rejeitamos nos amarra, aquilo que aceitamos nos liberta.


É verdade que em certa fase da vida as pessoas precisam dizer não aos pais, mas é um não comportamental, de ação, não necessariamente de coração. É normal, em certo momento que exista essa necessidade de se separar, de se diferenciar, de ficar grande me relação aos pais. Contudo, quando o filho diz de coração a seus pais: “Não, não aceito aquilo que vem de vocês porque não é o que eu mereço”, mesmo que vá para Austrália vai continuar sentindo uma corda enorme que o amarra a seus pais por meio da rejeição. E quando a pessoa diz: “Fico feliz porque vocês se uniram e me deram a vida, e eu lhes agradeço e digo sim a vida que me deram e a aproveito, e em tudo de bom que vivo na vida tenho vocês presentes”, então os pais se sentem grandes e o filho se sente impulsionado para a vida, e pode deixar os pais e seguir seu próprio caminho, possuir a vida, fecundá-la, injetar seus genes na corrente da vida, criar, arriscar, viver. E de vez em quando vai se voltar para seus pais e dizer de novo: ”Obrigado”


Joan Garriga em "O amor que nos faz bem".

66 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page