Vamos apenas usar a letra H para identificar a menina.
Sua mãe veio em busca de ajuda para H relatando que ela estava há uns 20 dias extremamente irritada, demonstrava estar muito brava, com crises de raiva.
Perguntei: o que está acontecendo em casa, com papai, com mamãe?
A mãe então explicou: o pai de H passou por uma cirurgia recente para remover um câncer de estômago. Todos viajamos para ficar juntos com ele, nos hospedamos em frente ao hospital, e todas as vezes que o pai podia receber visitas, eu ia e levava as meninas. H tem uma irmãzinha maior, de 12 anos.
Os sintomas de H começaram assim que chegamos em casa retornando do hospital.
O pai está melhor dia a dia. E não precisou de quimioterapia. Dizem os médicos que está indo muito bem. Mas o pai é muito fechado. Fala pouco.
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Pergunto a mãe se havia mais casos de câncer na família. A mãe me diz que sim, e que o seu sogro, pai do pai de H havia falecido há 10 anos de câncer no pulmão. Como H tem 9 anos, pergunto a mãe se ela estava gestante de H quando o sogro faleceu, e ela me diz que sim.
Tratava-se de uma constelação individual, portanto eu mesmo me coloco nos campos
como representante. Sinto que primeiro devo representar o pai. Nesse campo sou tomada por uma força que pesa absurdamente sobre minhas costas e ombros, olho para o chão, e sou curvada para baixo até o ponto de ter que deitar, e começo a tossir muito. Me dou conta de estar me deitando sobre o pai morto.
Então, deixo esse campo, volto ao meu lugar e pergunto a mãe de H:
Como era a relação de seu esposo com o pai dele? Estavam bem quando o pai faleceu?
A relação deles era muito fria, ambos muito fechados. Distantes.
Quando ele conheceu meus pais, se sentiu muito acolhido, e começou a sentir e demonstrar mais carinho com seu pai.
Então, agora, sinto que devo representar a nossa paciente, a menina H. Entro em seu campo.
Imediatamente muita inquietação, tosse forte, e necessidade de olhar constantemente para trás e para frente, sem poder fixar-me em nenhum lugar. Viro para trás e para frente , a inquietação aumenta, e sinto que sou tomada por um quase pânico. Muita ansiedade. Então sinto que para poder fazer algo, preciso sair desse campo de H, e voltar ao meu lugar.
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Explico o que percebi a mãe, e a convido a ir comigo até a sala ao lado, onde outra colega consteladora e representante irá nos ajudar na sequência da sessão, representando para que eu possa sugerir a mãe as frases sanadoras adequadas.
Então, peço a outra consteladora que represente H, para que eu possa acompanhar e orientar a continuidade da constelação.
De imediato, ela diz: Não sou H, sou uma mulher de mais idade. Tenho fortes dores no
meu abdômen. Ela rola pelo chão e diz incessantemente: e meu ânus dói muito. Muito. Rolava pelo chão debatendo-se em meio as fortes dores. Confiro com meu guia interno, tratar-se da ancestral de H, avó do pai de H , a mãe do seu pai. Ou seja , a bisavó paterna da nossa pequena paciente H.
Pergunto a mãe se ela sabe algo sobre a história da avó do seu esposo.
Me relata que sim, ela também morreu de câncer, não sabia em qual órgão. E o esposo , o neto, nessa ocasião era menino, com seus 12 anos.
Então disse a ela, diga a essa ancestral do seu esposo: vejo sua dor, vejo seu sofrimento. Já acabou! Todo esse sofrimento já acabou.
Aos poucos ela se acalma e para de se retorcer no chão.
Contudo, logo fica novamente inquieta e demonstra estar com muita raiva. EU sinto muita raiva, muita raiva…
Peço a mãe de H que lhe diga: vejo sua raiva, vejo a dor detrás dessa raiva,…já terminou…tudo terminou! Sou grata pela vida do seu filho, meu sogro, pela vida do seu neto, meu marido e pai de H. Com algum tempo ela se acalma novamente e estende o braço direito, suspira profundamente, dizendo: já posso sentir amor por meu companheiro. Agora me sinto bem. Ele já pode deitar-se aqui ao meu lado.
Representamos essa pessoa (companheiro) por uma almofada, colocada em seu braço.
Ela diz: já posso sentir de novo amor por ele.
Surpreendentemente ela se move novamente, suspira e diz: tem mais alguém aqui junto a nós. Está ao lado dele. E coloco mais uma almofada representando alguém que eu não sabia de quem se tratava. E ela, respirando profundamente outra vez, diz: agora estamos em paz. E adormece!
Então eu me coloco novamente no campo de H. Ela olha calmamente aquela cena, não existem mais todas aquelas sensações anteriores.
Ao virar-me para sair daquele lugar, vejo um lindo quadro do espírito santo na parede, me sinto muito envolvida por aquela energia, e decido lentamente caminhar olhando para fora, para o gramado, para o sol, e sinto grande paz.
Então me retiro desse campo de H, e volto a representar o pai de H. Está calmo, sereno, e olha em direção ao lugar onde no campo está a filha. Ele diz o quanto ama a filha e como deseja abraça-la.
Depois, olha para a esposa, que está na cadeira. Olha com tanto amor…tanto carinho…vai até ela para abraça-la. Ambos choram. Então a esposa diz: estava tão pesado para mim.
Ele acena com a cabeça, com o olhar cheio de amor e gratidão.
Então me retiro do papel.
Retiro também do campo a minha colega que estava representando a avó do pai de H, e encerro a constelação.
Então a mãe da H, me diz: agora vendo tudo isso lembrei de algo que meu esposo contou sobre a avó e o avô dele. Ela morreu muito cedo, bem antes dele. Ele então voltou a viver como solteiro, namorar e se envolver com mulheres. Ele então se apaixonou por uma mulher muito jovem, uma prostituta, conhecida na cidade, e se casou com ela. Essa atitude dele causou muita dor, raiva, repúdio, nos filhos todos, principalmente na mãe do meu esposo, minha sogra.
Essa informação trouxe compreensão maior ao que aconteceu no campo.
A raiva da ancestral, a reconciliação com o esposo já falecido que ela pediu para deitar ao seu lado, e a outra que ela disse que também devia se deitar ao lado.
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Então finalizando pedi a mãe da H, para fechar seus olhos e dizer a “outra” você tem seu lugar, você veio depois da bisavó da nossa filha H e eu te vejo, e respeito a escolha do bisavô. E te respeito.
Houve uma grande comoção em todos que estávamos ali na sala. A mãe de H sentia-se muito bem, aliviada e tranquila.
Agora, trago aqui algumas considerações finais sobre esta constelação para melhor compreensão.
No olhar sistêmico, sabemos que quando as crianças apresentam distúrbios de comportamentos, sintomas físicos ou emocionais, devemos olhar para os pais primeiramente, pois estão refletindo algo que está em conflito ou desordem no âmbito da família, ou estão mostrando emaranhados que podem ser da família atual, ou podem ser conflitos transgeracionais.
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Sabemos que os menores, por amor se colocam a serviço do sistema familiar e com isso acabam repetindo destinos de ancestrais que ao partirem não haviam sanado suas próprias dores. E muitas vezes fazem isso por seus pais, quando percebem que estes correm risco de vida.
Segundo os estudos da biodecodificação biológica das doenças por Christian Fleche, meu professor nessa formação, fundador da Escola Francesa de Biodecodage, representado no Brasil pelo Instituto Cintia Chiarelli, o câncer é uma estratégia máxima de sobrevivência da nossa biologia, pois nossa vida esta codificada em nosso corpo, e o essencial acontece dentro. Tudo que vivemos, tudo que viveram nossos ancestrais está codificado em nosso corpo. Somos ricos de todas as experiências vividas, e a vida também se expressa através de doenças como o câncer. Se nós escutamos as mensagens do corpo, da vida, do inconsciente, nós aceitamos aprender. Se escutamos, somo transformados.
O câncer é então uma adaptação do nosso corpo para sobreviver, e o inconsciente decide coisas para nossa felicidade. Isso parece algum disparate dito dessa maneira, mas parece assim porque não aprendemos a escutar nosso corpo, seus sinais e informações. Preferimos confiar a alguém, o médico, principalmente, a solução das desordens e dores que nosso corpo manifesta. E no mais imediato, se for preciso, extrai-se o órgão doente, com o único intuito de eliminar a dor, sem ao menos tentar entender o que essa parte em sofrimento em nosso corpo queria nos mostrar.
Assim, podemos trazer a luz algumas informações do conflito por trás do câncer de pulmão, do câncer de estômago, e as dores no ânus apresentadas no campo pela representante da bisavó da paciente H.
O câncer de pulmão pode estar nos falando de medo da morte, ou talvez, de um perigo próximo, uma grande ameaça ao meu território vital, dependendo se ele se desenvolve em alvéolos pulmonares ( medo de morte) ou nos brônquios, que se referem a ameaças ao território (me sinto ameaçado, o perigo está muito próximo).
O câncer no estômago pode estar nos falando de algo indigesto, difícil de digerir; isto
está dentro de mim, mas não consigo digerir e liberar, deixar seguir o seu percurso, não consigo assimilar. Não sei se vomito ou se me aproprio. Parte endodérmica. Na parte da curvatura menor estou lidando com uma raiva territorial, preciso manifestar essa raiva territorial, para estabelecer meus limites, manter meu território, porque ai está acontecendo algo.
E dai vamos ao ânus, onde temos a perda do território, o não lugar, a perda de identidade,e isso se expressa em forma de muita dor.
Na tradição budista , estar em boa saúde com seu sacro e com seu ânus é aceitar a impermanência de todas as coisas. Tudo o que é composto será decomposto. Esta noção pode nos ajudar a suportar algumas provações da doença ou da velhice, quando sentimos que o corpo está se decompondo. É preciso aceitar esse aspecto da vida.
Continuando o olhar pelo aspecto sistêmico fenomenológico das Novas Constelações Familiares, veremos que existem segundo a síntese elaborada por Jacob Robert Schneider, em seu Livro Origem, destino e Liberdade, 5 princípios essenciais que atuam nas constelações familiares que vamos abordar a partir da constelação da nossa paciente H.
São eles: verdade, amor, força, ordem e solução (ligação e liberação, alma e espírito). As constelações tratam da verdade. No contexto do trabalho com as constelações familiares, relacionamos a verdade primariamente com fatos realmente acontecidos. O que aconteceu nas famílias e com as famílias? Consideramos entre outras coisas paternidade biológica, abortos, crianças natimortas, estupros, abusos, divórcios, ou seja, eventos que produzem efeitos conscientes e inconscientes na história dos indivíduos e das famílias. No processo das constelações falamos portanto da “verdade” em primeiro lugar no sentido de reconhecer o que aconteceu. Podemos chama-la de verdade histórica. Por verdade histórica entendemos a verdade vivenciada e seus efeitos nos sistemas de relacionamento, através de gerações.
O que é contado, e o que é silenciado em uma família? Que consequências pode tornar-se por sua vez um fato para os envolvidos, com um significado ou um efeito, claro ou
oculto, de maior ou menor gravidade?
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Essa verdade obtida pela vivência está no centro do método da constelação familiar. Qual é o fato objetivo importante no problema, e de que maneira ele é vivenciado pelo sujeito como marcante para sua própria vida? Dessa maneira a constelação familiar trabalha com uma verdade interpretativa que, em última análise é “atestada “pelo efeito que exerce sobre o cliente, através de sua própria expressão de surpresa na descoberta.
Há então que acontecer um “Desvendamento”, uma dupla condição:- que a constelação torne visível, de um modo possível de verificação, um evento significativo relacionado a questão de um cliente, e- que ela revele as consequência desse evento num sistema importante de relacionamentos, bem como uma forma possível de lidar com isso.
O Deslocamento nas constelações: a experiência atesta que a dinâmica da constelação na forma reproduzida pelos representantes, geralmente reproduz a dinâmica familiar, mas nem sempre nas pessoas colocadas como representantes. Nas constelações precisamos contar com os deslocamentos, como vimos em nosso exemplo , com a paciente H. onde os sintomas da bisavó, como a inquietação e a raiva (irritabilidade ) se expressavam através da bisneta (foi o que levou a mãe a buscar ajuda na constelação). E ela nem mesmo sabia qual a causa da sua irritação e braveza.
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Amor: Quando uma verdade se manifesta num sistema de relações, ela só atua de um modo libertador quando é associada ao amor e encarada sem julgamento.
Força: O método da constelação familiar conhece muitas possibilidades de ajudar clientes a se reconectarem as suas forças do corpo, da alma e do espírito. Proporcionam um fortalecimento imediato. Situações de apatia, resignação e esgotamento, depressão, falta de alegria e de prazer, vícios ou desejo de morrer requerem um processo de corpo e alma que reanime, proporcione alegria e confiança, e reabasteça de energia nossa vontade e nosso corpo. Muitas vezes, o simples conhecimento das forças do destino que atuam cegamente, e do efeito libertador do amor compreensivo basta para restituir a energia e a vitalidade.
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