![](https://static.wixstatic.com/media/a8e7f6_7313c24f67bd447a8dfc0b7ce7f56cdb~mv2.jpg/v1/fill/w_170,h_256,al_c,q_80,enc_auto/a8e7f6_7313c24f67bd447a8dfc0b7ce7f56cdb~mv2.jpg)
LEMBRAR E ESQUECER
“Uma indígena norte-americana durante um curso em São Francisco quero dizer algo sobre a atitude de vítima. Trabalho como terapeuta em minha reserva indígena. Um tema que sempre volta à tona é a injustiça que foi cometida pela colonização contra nosso povo. Como povo, ainda permanecemos muito na atitude de vítimas, e isso nos paralisa de várias maneiras. Temos um medo profundo de que, se deixarmos de nos sentir como vítimas e de nos comportarmos como vítimas, daríamos aos agressores um pretexto para reprimir sua responsabilidade. Isto porque o público americano ainda não está disposto a reconhecer a injustiça que foi cometida pelos imigrantes contra nosso povo. Enquanto nos comportarmos como vítimas, estaremos lembrando aos outros aquilo que foi perpetrado contra nós, pois até hoje ninguém reconheceu publicamente que fomos injustiçados. Nós nos agarramos ao nosso papel de vítimas para que os outros se sintam culpados. Esse sentimento de culpa é o penhor que deve garantir nossas reivindicações.
Porém, isso nos paralisa como povo. Desde que começamos com constelações familiares em nossa reserva e desde que eu mesma faço este trabalho, pergunto a mim mesma como podemos nos livrar do papel de vítimas sem que, com isso, estejamos abrindo mão do respeito aos nossos antepassados e ao destino que lhes sucedeu. Se não permanecermos na atitude de vítimas, deixaremos de honrar nossos antepassados. Você pode dizer algo a respeito?
Hellinger posso dizer muito a respeito. Esta é uma questão muito importante. Neste contexto, quero dizer algo sobre o lembrar e o esquecer. Muitas vezes, nos encontramos com pessoas que viveram coisas ruins e sempre voltam a pensar e lembrar-se delas. Através dessa lembrança, o passado ruim é reavivado. Essas pessoas, também, associam essa lembrança a uma reivindicação feita a outros. Lembrando as coisas ruins e fazendo com que sejam lembradas constantemente, revalidam essa reivindicação. Isso tem relação com nosso anseio por compensação.
Pessoas que sofreram esperam, mais tarde, uma compensação por seu sofrimento. Uma nação que sofreu espera uma compensação por parte daqueles que lhe trouxeram esse sofrimento ou por partede seusdescendentes. Esse anseio por compensação mantém a lembrança viva por muito tempo.
A esperança por reparação e a exigência de compensação são justificadas e necessárias em nossos relacionamentos pessoais. Do contrário, esses relacionamentos se perdem. Essas esperanças e exigências, no entanto, não podem ser transferidas, analogamente, ao relacionamento entre povos. A esperança e a exigência de que poderia ou deveria haver uma compensação por injustiças sofridas no passado é a força motriz de muitas guerras. Muitas guerras deveriam vingar e reparar uma injustiça ou um sofrimento; contudo, isso somente chega a acontecer quando o grupo for suficientemente forte para conduzir uma guerra. Enquanto o grupo não tiver condições para tal, é comum permanecer na atitude de vítima e esperar uma reparação no futuro.
Dou uns exemplos: uma amiga de nossa família esteve, quando jovem, no campo de concentração de Dachau e foi libertada quando acabara de completar 16 anos. Junto com ela, no campo de concentração, havia uma outra jovem que mais tarde moveu ações, durante anos, por uma indenização, pois achava que sua incapacidade de ter filhos poderia ser atribuída ao fato de que vivera no campo de concentração. Por causa dessas esperanças e exigências, conduziu um litígio judicial durante 30 ou 40 anos.
Pois bem, qual foi o resultado final desse litígio? A vida real passou por ela a passos largos. A lembrança de injustiças passadas a impediu de realmente viver a vida que lhe era possível.
Que diferença com a mulher que é nossa amiga! Após sua libertação, um oficial americano lhe disse: ―Deixe para trás o que você viveu. Esqueça-o e olhe para frente.‖ Ela seguiu este conselho. Tornou-se médica, professora universitária, teve sucesso e mitigou o sofrimento de muitas pessoas. Ela foi capaz de tomar o que a vida lhe concedeu, porque deixou a lembrança para trás.
Há algumas semanas, quando estávamos promovendo um seminário no México, encontramos um sobrevivente de Auschwitz, um velho senhor, com quem jantamos. Ele conversou em alemão comigo. Sua filha, que estava com ele, jamais na vida o tinha visto falar alemão. Ele me contou que, após ter sido libertado do campo de concentração, um oficial lhe disse: ―Não se pode viver com ódio no coração. Com ódio no coração, é como se você estivesse morto.‖ Seguiu à risca o conselho e, assim, foi capaz de deixar suas lembranças para trás.
Há algum tempo tivemos um curso no Chile, durante o qual uma mulher relatou que seu irmão fora preso na ditadura e desaparecera e que ela nunca mais iria esquecer isto. Eu lhe disse: ―Você deve esquecê-lo.‖ Como ela se recusou, sugeri posicioná-la com o irmão numa constelação. Sua representante parecia dura como uma pedra e totalmente inerte. O irmão não se sentia bem a seu lado. Por isso, posicionei-o ao lado de um outro morto, que havia falecido junto com ele. Ali falou, para surpresa de todos: ―Não fui injustiçado.‖ Ele estava em paz.
O que devemos aprender com isso é que nosso destino não está nas mãos dos agressores, como se eles tivessem o poder de nos aniquilar ou aniquilar um povo. Os agressores, também, estão a serviço de um poder superior, que decide quem deve viver e quem não deve. Esta é uma afirmação gravíssima, mas somente quando chegarmos a esta conclusão e nos rendermos a ela encontraremos a paz.
Hoje, no café da manhã, conversei com um homem sobre a América e a situação dos indígenas. É questão fechada que uma grande injustiça lhes foi feita. Porém, durante a nossa conversa, tentamos focalizar a América maior. Quando focalizamos apenas os indígenas e os conquistadores e os vemos apenas como vítimas e agressores podemos apreender a importância desse acontecimento somente em parte.
Fui confrontado com um problema semelhante, quando estive em Israel, no início deste ano. Sob muitos aspectos, a conquista de Israel após a última guerra foi brutal e cruel e foi feita à custa dos palestinos. Apesar disso, a conquista de Israel tinha algo de um movimento espiritual, tinha uma força espiritual. Por isso, em um certo sentido essa conquista era inevitável para todos, tanto para os agressores quanto para as vítimas. Quando examinamos o resultado dessa conquista é difícil julgar se, a longo prazo, foi uma coisa ruim ou não para os outros. Digo isso com todo cuidado, sem negar a injustiça e o sofrimento que estão ligados a isso.
Quando olho, agora, para a América vejo que este país ofereceu proteção e um novo lar para muitas pessoas que estavam sendo perseguidas. Devemos, portanto, olhar também para esse lado. Portanto, não podemos reduzir a relação entre a maioria aqui dominante e os indígenas a de agressores e vítimas. Aqui, também, estavam agindo forças maiores, transcendentes. Este é um dos lados.
Voltemos, agora, à questão do lembrar e do esquecer. A lembrança remediadora para os indígenas não seria a da injustiça sofrida mas, sim, a de seus antepassados antes de tal injustiça. Que, assim, não olhassem para os agressores, mas para muito antes no tempo, para seus antepassados, num período em que a vida para eles ainda era tranquila e boa. Que buscassem a força em seus antepassados — a força antiga e que, com essa força, vencessem no presente. Isso honra os antepassados mais que a lembrança da injustiça por eles sofrida. Dessa maneira, podem reencon- trar a antiga força e dignidade, realizando algo grande e valioso para este país, a partir dessa força e dignidade, e encontrar seu lugar sem perder sua identidade. Este seria o movimento reparador aqui.”
Do livro de Bert Hellinger, "Liberados somos concluídos." Pag. 74 e 75.
![](https://static.wixstatic.com/media/a8e7f6_5ad860635b4d4c4685576a8d9721755f~mv2.jpg/v1/fill/w_256,h_170,al_c,q_80,enc_auto/a8e7f6_5ad860635b4d4c4685576a8d9721755f~mv2.jpg)
Comentarios