Raquel Lucena Toscano Faria
A relação que temos com nossos pais é o primeiro relacionamento de nossas vidas e, vai influenciar nossa capacidade de convívio no futuro.
Todos somos filhos, e os problemas que temos com nossos pais na infância podem se transformar em questões maiores depois de adultos e por consequência irá refletir em outras áreas do nosso comportamento.
Mas, por mais distante que seja a nossa relação com eles, esperamos sempre que nos aceitem tal como somos e que nos admirem.
Essa conexão é a nossa base, nossa sintonia com a vida e com algo maior.
Há um fluxo de vida que segue de muito longe, por muitas gerações, e que se repete sempre na mesma dinâmica: aqueles que são pais e aqueles que se tornam seus filhos.
Aceitar incondicionalmente nossos pais como nossos progenitores, nos torna mais plenos como seres vivos. Muitas vezes guardamos rancores do passado, e isto nos enfraquece como indivíduos.
A maioria de nós busca segurança o tempo todo, mesmo que inconscientemente. E para se desenvolver precisamos saber se podemos confiar e ter o apoio de nossos pais.
Quando crianças, o nosso centro de atenção é no que nos foi privado ou negado, e não no que recebemos. Então não importa como os nossos pais agem, eles nunca conseguem atingir as nossas expectativas e nem satisfazer todas as nossas necessidades. Até porque nossos pais também são filhos e carregam no seu interior as mesmas faltas.
Do encontro de um pai e de uma mãe uma vida se forma. E esta vida só encontrará o que lhe pertence por ter vindo deste pai e desta mãe. Quaisquer outras pessoas formariam um outro ser.
Então, filhos que fantasiam sobre a possibilidade de ter pais diferentes estão apenas praticando um ato de ilusão. Buscam uma fuga da realidade que se apresenta e estão inseridos e se tornam infantis.
Ao sentirmos essa insatisfação, acabamos por agir irracionalmente, com desejo de mudar os nossos pais.
Portanto, a principal reflexão neste módulo pais e filhos, a meu ver é tomar conhecimento desta relação de base e repensar as questões que envolveram a minha relação com meus pais. É um expandir de consciência. É uma ampliação de olhar que vai além das dificuldades envolvidas no meu nascimento naquela época.
Relembrando como era o meu relacionamento com meus pais, percebo com clareza que julgava algumas decisões que tomavam e apreciava outras.
Em alguns momentos de julgamento, os erros de meus pais foram tamanhos, que mascaravam completamente tudo aquilo que fizeram de bom.
Hoje refletindo, me pergunto como eu gostaria de ser percebida pelos meus filhos? Mesmo que eu não perceba, elementos negativos do meu relacionamento com meus pais podem influenciar na criação de meus próprios filhos. E posso nem me dar conta disso.
Observando e olhando para trás, tenho a percepção de demanda de tempo e esforço necessários que eles dedicaram ao meu desenvolvimento. Não é fácil reconhecer esse movimento que vem de nossos pais. Demanda humildade e assentimento a tudo como foi e que foi da melhor forma possível.
É ação de agradecer! Agradecer pela vida que me foi ofertada; e a partir dessa percepção ensinar os meus filhos a agradecerem pelo que eles recebem desde cedo.
Este é o movimento da vida em constante evolução!
Se na minha infância e adolescência meus pais não demonstraram muito afeto, é pouco provável que eles mudem depois que me tornei adulta. O caminho mais leve, ao invés de questionar suas ações o tempo todo, é tentar aprender a conviver com eles sem esse peso.
Eles não são heróis ou vilões, mas são os responsáveis em me dar a vida e isso já é um ato grandioso.
Eles me deram exatamente todo o amor e carinho que poderiam, dentro do possível para eles.
Em muitos momentos, o que eu senti que não recebi na infância, fui buscar no meu futuro, no meu entorno, ou em outras pessoas essas faltas. E o que eu percebi é que eu posso me dar a mim mesma tudo o que me falta, ou o que eu desejo para minha vida. Pois já recebi de meus pais tudo o que era necessário.
No movimento desta energia que vincula pais e filhos, os primeiros cedem algo e os segundo recebem algo. Os pais cedem. Os filhos recebem.
Em primeiro lugar os pais cedem aos filhos a possibilidade de viver e de usufruir da vida. São eles nossa porta de entrada para o mundo. De tudo o que os pais dão aos seus filhos, este é o elemento mais importante e essencial.
Assumir o controle de minha própria vida é ser grata pelo que recebi deles e isso me fortalece.
A coisa mais valiosa que eu recebi de meus pais, não importa quem estes sejam ou o que possam ter feito, foi a oportunidade de viver. Ao receber a vida deles, eu os aceito como os únicos possíveis para mim.
Não me cabe acrescentar e nem tirar nada do que me foi ofertado.
E nesta relação especial, pais dão e filhos recebem. E esta é a ordem correta.
Ainda que uma das leis dos relacionamentos seja o equilíbrio no dar e tomar, na relação de pais e filhos o equilíbrio ocorre de forma transgeracional: o que filhos recebem de seus pais só poderá ser propriamente recompensando quando estes repassarem o que receberam adiante – seja para seus próprios filhos ou prestando um serviço à vida. Dessa forma, os pais se sentem recompensados e honrados eles mesmos, pela parte que lhes compete neste fluxo.
É muito mais fácil culpar os nossos pais pelos nossos fracassos e problemas do que assumir a responsabilidade pela de nossa vida real. Uma pessoa dependente não sente que é importante e que é única; simplesmente é uma pessoa insegura e infantil.
Tomar as rédeas da própria vida por minhas ações, erros e acertos é uma atitude de auto responsabilidade e liberdade. E depois de tudo isso, no momento em que não tiver mais necessidade de criar tantas expectativas em relação a meus pais, poderei me considerar, enfim, uma pessoa madura e adulta.
Percebi também que, ao tomar conhecimento da história de minha família, me ajudou a compreender e aceitar os meus pais e demais familiares como eles são exatamente.
Questões como minha mãe e pai foram criados, fatos que contribuíram para o modo como eles vivem hoje, contexto cultural, social e religioso da época que os envolviam.
As condições precárias de infância de meu pai me dão indícios de sua ausência paterna. E a personalidade exagerada de minha mãe tem a ver com seu passado de insegurança, carência e abandono. O conhecimento de minha história familiar dá o teor das minhas relações atuais com maior compreensão e me liberta de julgamentos e fidelidades infantis.
Da união que gera uma vida, os filhos acessam e passam a fazer parte de uma história que se encaminha há muito tempo. Uma história que contém suas bênçãos e suas dificuldades. A partir do nascimento, os filhos passam a pertencer a um sistema e o pertencimento os força a olhar para as dificuldades que estão no sistema de sua origem, e às vezes, essa carga se torna pesada.
Aqui se mostra a grandeza dos pais. Pois gerar vida não é pouca coisa. É necessário, antes de tudo, coragem. No caminhar da vida, os pais ainda dão muitas outras coisas, sem as quais não conseguiríamos sobreviver: eles nos alimentam, nos cuidam, nos protegem e nos cedem o afeto – da forma como é possível e que eles tenham para dar – para que possamos começar nosso desenvolvimento.
Nossos pais nos dão a vida para que possamos crescer, tomar nossas decisões e construir nossa própria vida. E eles só podem nos dar o que têm.
Nossos pais não escolhem o que devem passar para nós. Na concepção e no cuidado diário, nos passam aquilo que tem e que receberam antes, de seus próprios pais. O que eles receberam é o que é possível ser passado adiante.
Tentar ser independente e deixar para trás as pessoas que mais amamos é uma tarefa difícil, porém necessária para nosso amadurecimento. Uma das etapas mais importantes de minha maturidade é perceber que eu e meus pais somos três pessoas adultas independentes. Que posso respeitar e apoiar minha família de base, aceitando a decisão de todos, mesmo que eu não esteja totalmente de acordo. Uma relação adulta entre pais e filhos envolve respeito, apoio e, sobretudo, amor.